PORTO ALEGRE:
A História Geológica da Capital Gaúcha
Poucas vezes nos damos conta ou paramos para pensar no que consiste o solo e as rochas que estão abaixo de nossas cidades. A capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (Figura 1), possui uma incrível e longa história geológica inserida dentro de colisões e soerguimento de continentes, abertura de um oceano e incursões marinhas.
Figura 1. Visões gerais da cidade de Porto Alegre. A – Bairro Ipanema; B – Vista de parte do Lago Guaíba e visão de Porto Alegre com a Ilha da Pólvora (direita) e parte da Ilha das Flores (esquerda) em primeiro plano. Ao fundo se percebem as cristas dos morros. Fonte: “Porto Alegre vista do Céu” – Amaral e Ostermann.
Resumo Geológico
As rochas graníticas e gnáissicas que compõem o subsolo da cidade possuem, pelo menos, uma idade que remete a 800 milhões de anos, época em que a vida ainda era restrita somente aos oceanos. Na paisagem, as características mais perceptíveis são as cristas dos morros que permeiam toda a parte urbana da cidade - pertencente a uma antiga cadeia de montanhas conhecida como Cinturão Dom Feliciano.
História Geológica
Há 800 milhões de anos atrás o mundo possuía uma configuração de continentes muito diferente da atual. Havia dois continentes ancestrais (que futuramente dariam origem a África e América do Sul) com um oceano entre eles, conhecido como Oceano Adamastor (Figura 2). Esse oceano, com o passar de milhões de anos e com a constante aproximação dos dois continentes, acabou sendo consumido. Essa colisão continental foi de proporções tão grandes que os indícios estão espalhados não só no RS, mas vão desde o Uruguai até a Bahia.
Uma colisão entre grandes massas continentais produz, ao final do ciclo, enormes quantidades de magma granítico na crosta da Terra. Conforme se resfria, esse magma formará imensos corpos de rochas graníticas. Tais rochas foram formadas em profundidades de cerca de 20 km na crosta continental, nas raízes das montanhas existentes acima, sendo que na superfície havia intensa atividade vulcânica (Figura 2). Essas rochas, devido
aos processos erosivos atuantes e a uma série de esforços de realojamento, acabaram por vir à superfície. Através de imagens de satélite, ou mesmo fotografias aéreas, se pode notar as cristas dos morros de Porto Alegre, formadas devido às suas rochas terem uma maior resistência à erosão e às suas próprias características estruturais (Figura 3).
Importante salientar que as rochas da cidade não possuem, todas, a mesma composição, mas variam na idade e no modo de formação ao longo do tempo. Da próxima vez que você passar pelos bairros Chácara das Pedras, Petrópolis e Três Figueiras, preste atenção, pois ainda podem ser encontrados alguns resquícios dos gnaisses em algumas praças desses bairros. Obviamente, tudo isso não ocorreu do dia para a noite, sendo necessário 150 milhões de anos para que todos esses processos descritos acima modelassem a paisagem.
Na paisagem de Porto Alegre também chama a atenção não só o relevo, mas a conjunção dos rios Jacuí, Sinos, Caí e Gravataí, que irão desaguar em frente à cidade, formando o Lago Guaíba (Figura 3A e 3B) – que com seus 470 km² de superfície é sem dúvida um dos mais famosos cartões postais do lugar, aumentando sua beleza com o pôr-do-sol ao final das tardes.
Figura 2. Ilustração de como teria ocorrido a formação dos primeiros granitos da região de Porto Alegre. Fonte: desenho por Philip Marriage.
Chegando próximo ao Lago Guaíba, esses rios perderam a força, fazendo com que os sedimentos transportados fossem depositados. As diversas ilhas que se encontram em frente à cidade de Porto Alegre foram formadas devido a toda essa carga de sedimentos trazidos por esses rios.
Figura 3. A – Imagem de satélite (Google Earth) mostrando as principais cristas dos morros graníticos de Porto Alegre salientadas na paisagem; B – Imagem do relevo (Google Maps) com as mesmas cristas vistas em A.
Mas a paisagem de Porto Alegre nem sempre foi do jeito como a conhecemos hoje. Retornando no tempo geológico, iremos saber como a região de Porto Alegre adquiriu a atual configuração (Figura 4).
Antes de 400 mil anos, no local hoje ocupado pelo Lago Guaíba, existiam rios largos e rasos por onde escoavam os sedimentos em direção à costa. Os morros não possuíam vegetação em suas vertentes, e sedimentos erodidos dos mesmos eram carregados pelas correntezas dos rios em direção ao Oceano Atlântico (Figura 4A).
Há 400 mil anos, devido à elevação das temperaturas do planeta, ocorreu o degelo da neve que estava acumulada nas regiões polares e montanhosas, fazendo o mar invadir amplas áreas da região costeira do mundo e do Rio Grande do Sul. A região foi inundada, enquanto os morros de Porto Alegre ficaram cercados por água, transformando-se em verdadeiras ilhas que se ligavam ao continente através de cordões de areia (Figura 4B).
Há cerca de 325.000 anos (Figura 4C), houve mais uma subida do nível do mar. Nesta época, a região era banhada pelas águas do Oceano Atlântico Sul, configurando-se como uma baía cujas margens já possuíam um desenho semelhante ao atual. Após isso, mais dois episódios de avanço e recuo do nível do mar (há 120 e 5 mil anos, posteriormente) iriam configurar a região no formato como a conhecemos hoje (Figura 4D), formada por barreiras e restingas que fecharam a Laguna dos Patos.
Como se pode ver, há muitas características envolvidas na criação de uma paisagem, sendo esta, a união entre geologia, clima e tempo. Nada em geologia é formado de modo independente, sendo que diversos mecanismos contribuem para a formação geográfica dos locais.
Conhecer para Preservar
Divulgar o conhecimento geológico, incentivando o turismo, é uma maneira de conscientizar a comunidade e os visitantes da complexidade dos eventos geológicos que moldaram as belezas naturais da região.
Figura 4. Evolução da região de Porto Alegre e arredores.
A conservação ambiental de Porto Alegre, bem como sua divulgação para fins educacionais, é de suma importância visto que essa região registra eventos geológicos marcantes na história da evolução do Rio Grande do Sul.
Ao caminhar por algumas ruas e praças de Porto Alegre ainda se pode ver algumas rochas geradas pela colisão de continentes que causou o fechamento de um oceano há centenas de milhões de anos atrás.
Localização:
Leitura Recomendada
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AMARAL, H. e OSTERMANN, R.C. Porto Alegre vista do céu. Tomo Editorial. Porto Alegre.168 p.
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Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul – IHGRGS, O Guaíba Documentos Geográficos. Disponível em: http://www.ihgrgs.org.br/artigos/membros/Copstein,%20Hasenack,%20Neves,%20Vieira%20-%20Guaiba.pdf. Acesso em: 31 de agosto de 2017.
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MENEGAT, R.; PORTO, M.L.; CARRARO, C.C.; FERNANDES, L.A.D. (orgs.). 1998. Atlas Ambiental de Porto Alegre. 2ª ed. Editora UFRGS. 228 p.
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POPA, Guaíba: rio, e não lago. Disponível em: http://www.popa.com.br/docs/cronicas/guaiba_rio-e-nao-lago/guaiba-rio-e-nao-lago_a-farsa.htm. Acesso em: 31 de agosto de 2017.
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WILDNER, W.; LOPES, R.C. 2010. Evolução geológica: do paleoproterozoico ao recente. In: VIEIRO, A.C. e SILVA, D.R.A. (orgs). Geodiversidade do Estado do Rio Grande do Sul. CPRM, Porto Alegre. p. 17-30.